segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Carta aberta de uma flor ao jardineiro

E então, prosa, por que brigamos? Por que começamos pelo meio e torna-mo-nos poemas? Eu repetia as mesmas perguntas de sempre no quente do verão sobre o gélido chão de piso. Tinha histórias a contar, vidas a narrar e, sim, dizeres a poetizar em rima. Mas, em tanto tempo de desolação o coração não saberia mais como lidar.
Os olhos me molham, devem crer que sou flor. Espero que não um girassol, mas uma flor azul, nem que seja flor de cemitério, mas azul como o céu que escurece junto comigo.
Eu não me reconheço em frente ao espelho. De todas as vezes que meus olhos me regam, minha pele, como terra, tem por amolecer meu peito. No fundo, sinto um forte tumor se alastrar, rápido como o vento e cálido como a neblina, fere meus dedos que não sabem mais quando parar de escrever.
E regem mil comparações com adjetivos, substantivos e pronomes em vão. Não há classe morfológica que descreva a dor que fecunda meu corpo, mas, por ruído e coerência, o filho que dou a luz é quem melhor pode dizer.
A expressão é bem válida, por uma força tão forte como a redundância: ’’ Parece que vou ter um filho agora’’. Ele nasce borrado no papel, não como carta suicida, uma vez dito, mas um verso sem música que percorre letras deveras conhecidas para sentimentos uma vez banidos.
De tanto gritar as vidas que nasciam continuamente, uma estaca é posta firme ao coração. O líquido verde escorre e aos poucos eu murcho, inclinada a apenas conseguir ver as unhas sujas de terra dos que tentaram socorrer-me. Acho que foi a prosa. A maldita acaricia as pétalas para tirá-las como criança: bem-me-quer, mal-me-quer...

Dizem que as plantas mais frágeis são as mais belas. No meu caso, eu caio junto às sementes antes de saber se primeiro veem a flor ou a cheiram, pois, o que às vezes não enxergamos do jardim é que, depois do cimento, há olhos que instigam ao longe o querer ser flor. Ou fogo.

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