sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Ainda sou poeta?

Houve um dia em que a matéria prima de terceiro grau 

em uma ou três aulas de química 

era o burburinho de fundo da minha escrita, e, 

como quem dorme com a tv ligada, eu desligava o mundo 

e o reescrevia com tinta azul 


Hoje, mesmo sob o maior dos silêncios e maior das luas, eu tremo a caneta, eu temo o teclado 

e o que me era diário virou lembrança - mas esta metalinguagem se prova contrária 


Há dias, momentos e visões que me tiram dessa inércia e posso esquecer 

como se escreve e fazer novamente, posso esquecer 

do-mundo-aquecendo-da-panela-no-fogo-das-ruas-escuras-que-nos-observam-do-plano-dos-homens-vis

tudo some e retorna em versos 

é espaço de amor ou rimas 

- e hoje já não gosto de rimar 


Digo que essa corda não cabe em meu pescoço. 

As margaridas não mais desbotam desde as datas reafirmadas como votos de um futuro igual: 

amor não é matemática 

poesia não cabe no seu calendário 

(feliz aniversário-não-mais) 


Quem sabe isso seja suficiente 

A quem interessa ouvir os devaneios do verso do caderno, eu retomo 

ligo e desligo o rádio, a tv, a notícia que já nos matou e em alguma estação consiga 

relembrar quem fomos e reescrever quem somos 

mesmo que beire a livro de autoajuda, remédio controlado 

descontrole remediado 

e consonância involuntária  


segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Caminhos e o que mais puder cruzar

Nessa cidade eu olho todas as ruas e entradas tentando ver semelhanças ou encontrar a exatidão
E muitas vezes em minhas histórias eu soube ou não os endereços e subi ruas e morri com freios de mão na boca
Na minha
e lembro das vezes que segurava as pérolas das marias do terço na boca, diziam não ser certo.

E as misturas de circo e sonhos estranhos, nomes errados
é o palco perfeito feito de igreja, ajoelhada aos pés da cruz proferindo e profanando a pureza que queriam que eu uma vez guardasse
mas eu crucifico novamente
açoitada por seus mandamentos, assinando, que assim seja, meus pecados.

E o que era palco e luzes acesas se tornou missa, reza baixa que dura a noite toda e, de tão bem escrita, dá pra lembrar depois de acordar quando for.

Eu não lembro o que no sagrado dos textos carregava aquela cor, mas provavelmente nada que eu lembre para ter efeito igual
mas em dado momento o orvalho escorreu dos olhos de algum anjo e eu me caí por terra 
terra que os pés gelados rodam 
e os olhos rolam

...

eu quero voltar pra igreja
e sentar no primeiro banco, esquecer o confessionário - a menos que seja aqui
paganismo vai virar pomba na frente do prédio
desde que a óstia seja dada na língua

amém

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Setença e dia de hoje: jamais

Hoje o dia mal começou e meio sem querer eu revisitei alguns traumas

Alguns, para ser modesta e quem sabe não dizer todos ou ao menos uma parte da raíz.


Quem me conhece, sabe

Sabe que eu exagero nos braços e sinto demais, mas quem conhece a finco sabe que não minto

e nem planejo rima

Quem me conhece, sabe bem

meu bem

que eu sou boa com datas, com as falas

principalmente as que ferem e falham - minhas ou não

e de datas, hoje, por acaso eu me lembrei

mesmo que às vezes o nome surja à tona com amigos antigos

ou pesadelos recorrentes.


Eu acordo toda vez de cada pesadelo perfeitamente igual com a mesma sentença

e quem sabe um dia meu corpo esteja velho demais para se encaixar na perspectiva de uma colegial

e o espelho de Narciso-Dorian afunde no rio

e eu esqueça o que já fui.


Mais do que fui, mas o que me fizeram

lápis escrevendo lápis em uma lousa verde, olhos negros.

Talvez eu jamais seja capaz de alguns perdões, e em primeiro este.


O dia segue, eu reamonto minhas palavras de década

O dia segue, eu não o sigo mais.

Jamais.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Raio

Se eu virar os olhos, se eu virar estrela

se eu ficar na ponta dos pés

não me puxe de volta ao fundo do mar

                                                               [ já sou fogo e febre

                                                                                    glitter e taquicardia]


Se eu perder a hora, não me acorda

deixa que a luz não entre

que eu quero voltar


Se eu disser que não, é porque nunca foi dito.

é mentira pois o céu planou no meu suspiro

horas depois de um pedido

                                        [ pode ]


...


Se eu perder a carona, deixa que eu dou um jeito

O caminho eu já sei de cabeça, mas o final é diferente

                                                                            [finalmente!]


Se eu me confundir é porque não preciso justificar texto livre

só as minhas palavras sabem a ordem

de um tempo que se resignificou

     

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Fadas mortas

Asas ao chão de um canto cinza, mudado.

Cinza? Verde musgo? Não sei ao certo, não lembro, não enxergo

Complexos escritos em caligrafia feia, fincada no lado do corpo.

Um, dois, três

Memória específica de um traço em que não me encaixo jamais:

Da ponta dos pés ao pulso não chegam ao início da serra.


Minha bacia segura as roupas molhadas

o canto das águas, o molde antigo vindo do barranco

em espiral eu caio ao chão.


Em algum futuro acho (acha?) uma carta esquecida, apagada

sem nunca lembrar o que foi escrito -

mas meu corpo permanece imóvel.

O que será do tempo? Vai apagar mais nomes, queimar rosas e rasgar os papéis?

O que há de ser? Dos corredores dos supermercados, dos segredos e das mentiras? 

Tudo há de no fim virar poesia? 


Ou a gente nunca teve chance de fugir dessa torre? 

Uma carta virada e teimosa em retornar 

Adiante, sozinha, não adianta.

[

Nojo de todos os transtornos que esse predador finca na mordida.

]

Uns trocados no fundo do bolso da calça jeans, fiapos e fios de cabelo perdidos.

Despedidas de um tempo que, ainda hoje, é retorno freado

é fuga, hipotenusa

é um ser preterido 


[

é tudo

do que a mim

]










sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Pra não me dizer que não me falei

Não consigo parar de mentir

toda vez que perguntam o porquê deste rosto triste

e eu falo que é sono, canseira, piada velha


O fone de ouvido estalando o novo do rock

o antigo das dores

o atual dos meus tremores e traumas para todo um sempre.


Hoje eu não consegui falar

e pode ser que seja sempre assim, entalado no meu italiano

como as coitadas das sardinhas no azeite:

tenho dó, mas como.


Escondi, menti, roubei a verdade e até matei parte do que mais amava em mim

em troca do silêncio nem sei de quem

pois tantas outras vezes fui lágrimas, rios, chuva 

no travesseiro fora de casa, no banho, de baixo da bancada do corredor

regando uma nova eu.


E as flores não têm costume de falar.

mas eu teimo em escrever.