segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

gole

Bastou uma dose de cachaça de mel pra me derrubar
10 mls doces na boca e um mar azul, revestido de memória.
Eu penso sobre todas as águas serem uma só
E eu quase não sei se a imagem é exata à anterior
Ou ininteligível, penso
E me perco como se fosse um sonho estranho em uma terça-feira qualquer
Com toda a distância de Setembro 
E desavisada pelas ruas e afins dessas esquinas virtuais,
Perco o rumo e as palavras permanecem, assim como talvez mais do que deveria.
Não é sonho, mas noite passada lembrei 
E orei pra esquecer ( mentira )
E rompi as linhas finas como os lábios em pintura 
Sorriso quase invisível 
Memoria perdida, passado morto, presente estranho

Eu queria algo que me confortasse 
E não tenho como vestir as roupas antigas e reencenar
Reencarnar, disse o corretor automático
Reviver e responder com a verdade ao menos uma vez sem ser no divã
- meu deus, a gente morre 
E agora o que eu faço com isso no peito? Como trago pra dentro e encosto ao meu lado na noite tão quente?
Bebo mais deste copo ou deixo afogar seco na garganta? 

Dessa vez vou culpar o álcool, o açúcar que não desceu bem 
Enquanto meus pés me levavam a corredores estranhos, pingos de chuva no peito
Eu estranho cada pixel como se fosse montagem
E me remonto mais uma vez, depois de tantas, antes de dormir
Sem chamar o nome
Para quem sabe o sono faça o favor e prive da lembrança 
E o dia seguinte seja mais puro
- e eu mais certa de tudo.



terça-feira, 2 de janeiro de 2024

mentira

Passei por algumas situações recentemente que não pareciam verdade, seja pelo teor de aleatoriedade quanto de absurdo. Olhei as mãos, conferi se era real - custava acreditar. Como cheguei àqueles cenários? O que regia meus pés?

Então me levantei e sentei novamente e repeti como se fosse um jogo, como se alguma criança gritasse ao lado. Tudo que há é o murmúrio e comentários dos adultos, fascinados por músicas clichês ou o sofrimento alheio. Há algo fetichista na curiosidade dos detalhes, nos comentários perversos de quem não entende e quem condena - mesmo quando não há mais depois. São pontos finais, e aqui volto para mim.

Poucas horas antes eu estava reclamando de mais um ano novo, das escolhas erradas e de novamente me enfiar, como roupa amarrotada em uma mala, em situações nas quais não deveria estar, com pessoas aleatórias e todo o potencial de destruição necessário. Neste ano abandonei a taça e puxei a chave do carro quando não havia mais jantar ou sobremesa que justificasse minha permanência, assim o alcool não me derrubou pelas costas - ou de frente - para uma tragédia novamente. E assim lembrei dos anos anteriores.

E assim fatiguei um ano quase que amaldiçoado por novos termos e as últimas das palavras.

E assim foi: eu disse que este ano só perdia para aquele, e nesse roteiro do primeiro dia do meu ano assim foi que dei o gancho para o que estava por vir. Que 2024 tenha piedade de todos nós, porque aparentemente serão muitos assuntos a serem enfrentados - e finalizados, espero.

E o quanto de nós é necessário para encerrar e perdoar?

Meu deus, talvez agora esteja começando a cair a ficha, ao som de musicais e tons desbotados nas ruas. Ou talvez só aconteça quando eu o ver e assim materializado e deitado com as flores que os segredos e detalhes agora só vivem comigo - eu rezo para que a luz possa levar o que deve das memórias e iluminar o caminho.

Eu não sei muito no que acredito, sei mais no que não acredito. Sei da verdade, do que aconteceu, do que quero esquecer e das cicatrizes. Do que não sei sobre o depois, um dos poucos fios que me fazem sentido e creio é que não devemos prender as pessoas, seja antes ou depois. E assim escolho perdoar e deixar ir, escolho pensar nos vários traços bons e sentir a única coisa possível hoje: essa mistura de tristeza e sonho ruim, longe da realidade.

Fazia um tempo que eu planejava voltar ao texto corrido, não me prender aos versos e fuga das rimas, e hoje consegui. Hoje consegui por obrigação do peito rasgar as linhas e lembrar que a gente é adulto, mesmo que não pareça. Que mais do que pegar o carro, pagar contas e pensar no futuro, ser adulto é muito isso, a finitude da infância e de tudo, da inocência à esperança.

Espero que algum dia o vento sopre mais leve como um abraço para quem ficou e, de alguma forma, haja paz.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Ainda sou poeta?

Houve um dia em que a matéria prima de terceiro grau 

em uma ou três aulas de química 

era o burburinho de fundo da minha escrita, e, 

como quem dorme com a tv ligada, eu desligava o mundo 

e o reescrevia com tinta azul 


Hoje, mesmo sob o maior dos silêncios e maior das luas, eu tremo a caneta, eu temo o teclado 

e o que me era diário virou lembrança - mas esta metalinguagem se prova contrária 


Há dias, momentos e visões que me tiram dessa inércia e posso esquecer 

como se escreve e fazer novamente, posso esquecer 

do-mundo-aquecendo-da-panela-no-fogo-das-ruas-escuras-que-nos-observam-do-plano-dos-homens-vis

tudo some e retorna em versos 

é espaço de amor ou rimas 

- e hoje já não gosto de rimar 


Digo que essa corda não cabe em meu pescoço. 

As margaridas não mais desbotam desde as datas reafirmadas como votos de um futuro igual: 

amor não é matemática 

poesia não cabe no seu calendário 

(feliz aniversário-não-mais) 


Quem sabe isso seja suficiente 

A quem interessa ouvir os devaneios do verso do caderno, eu retomo 

ligo e desligo o rádio, a tv, a notícia que já nos matou e em alguma estação consiga 

relembrar quem fomos e reescrever quem somos 

mesmo que beire a livro de autoajuda, remédio controlado 

descontrole remediado 

e consonância involuntária  


segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Caminhos e o que mais puder cruzar

Nessa cidade eu olho todas as ruas e entradas tentando ver semelhanças ou encontrar a exatidão
E muitas vezes em minhas histórias eu soube ou não os endereços e subi ruas e morri com freios de mão na boca
Na minha
e lembro das vezes que segurava as pérolas das marias do terço na boca, diziam não ser certo.

E as misturas de circo e sonhos estranhos, nomes errados
é o palco perfeito feito de igreja, ajoelhada aos pés da cruz proferindo e profanando a pureza que queriam que eu uma vez guardasse
mas eu crucifico novamente
açoitada por seus mandamentos, assinando, que assim seja, meus pecados.

E o que era palco e luzes acesas se tornou missa, reza baixa que dura a noite toda e, de tão bem escrita, dá pra lembrar depois de acordar quando for.

Eu não lembro o que no sagrado dos textos carregava aquela cor, mas provavelmente nada que eu lembre para ter efeito igual
mas em dado momento o orvalho escorreu dos olhos de algum anjo e eu me caí por terra 
terra que os pés gelados rodam 
e os olhos rolam

...

eu quero voltar pra igreja
e sentar no primeiro banco, esquecer o confessionário - a menos que seja aqui
paganismo vai virar pomba na frente do prédio
desde que a óstia seja dada na língua

amém

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Setença e dia de hoje: jamais

Hoje o dia mal começou e meio sem querer eu revisitei alguns traumas

Alguns, para ser modesta e quem sabe não dizer todos ou ao menos uma parte da raíz.


Quem me conhece, sabe

Sabe que eu exagero nos braços e sinto demais, mas quem conhece a finco sabe que não minto

e nem planejo rima

Quem me conhece, sabe bem

meu bem

que eu sou boa com datas, com as falas

principalmente as que ferem e falham - minhas ou não

e de datas, hoje, por acaso eu me lembrei

mesmo que às vezes o nome surja à tona com amigos antigos

ou pesadelos recorrentes.


Eu acordo toda vez de cada pesadelo perfeitamente igual com a mesma sentença

e quem sabe um dia meu corpo esteja velho demais para se encaixar na perspectiva de uma colegial

e o espelho de Narciso-Dorian afunde no rio

e eu esqueça o que já fui.


Mais do que fui, mas o que me fizeram

lápis escrevendo lápis em uma lousa verde, olhos negros.

Talvez eu jamais seja capaz de alguns perdões, e em primeiro este.


O dia segue, eu reamonto minhas palavras de década

O dia segue, eu não o sigo mais.

Jamais.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Raio

Se eu virar os olhos, se eu virar estrela

se eu ficar na ponta dos pés

não me puxe de volta ao fundo do mar

                                                               [ já sou fogo e febre

                                                                                    glitter e taquicardia]


Se eu perder a hora, não me acorda

deixa que a luz não entre

que eu quero voltar


Se eu disser que não, é porque nunca foi dito.

é mentira pois o céu planou no meu suspiro

horas depois de um pedido

                                        [ pode ]


...


Se eu perder a carona, deixa que eu dou um jeito

O caminho eu já sei de cabeça, mas o final é diferente

                                                                            [finalmente!]


Se eu me confundir é porque não preciso justificar texto livre

só as minhas palavras sabem a ordem

de um tempo que se resignificou

     

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Fadas mortas

Asas ao chão de um canto cinza, mudado.

Cinza? Verde musgo? Não sei ao certo, não lembro, não enxergo

Complexos escritos em caligrafia feia, fincada no lado do corpo.

Um, dois, três

Memória específica de um traço em que não me encaixo jamais:

Da ponta dos pés ao pulso não chegam ao início da serra.


Minha bacia segura as roupas molhadas

o canto das águas, o molde antigo vindo do barranco

em espiral eu caio ao chão.


Em algum futuro acho (acha?) uma carta esquecida, apagada

sem nunca lembrar o que foi escrito -

mas meu corpo permanece imóvel.

O que será do tempo? Vai apagar mais nomes, queimar rosas e rasgar os papéis?

O que há de ser? Dos corredores dos supermercados, dos segredos e das mentiras? 

Tudo há de no fim virar poesia? 


Ou a gente nunca teve chance de fugir dessa torre? 

Uma carta virada e teimosa em retornar 

Adiante, sozinha, não adianta.

[

Nojo de todos os transtornos que esse predador finca na mordida.

]

Uns trocados no fundo do bolso da calça jeans, fiapos e fios de cabelo perdidos.

Despedidas de um tempo que, ainda hoje, é retorno freado

é fuga, hipotenusa

é um ser preterido 


[

é tudo

do que a mim

]